VALSANDO NAS SERENATAS DA VIDA –
Eu estava louca para devorá-lo, isso é fato. Mas, teria de resistir, não era a ocasião, eu ainda teria de esperar o tempo certo para sucumbir ao meu desejo carnal, proveniente de minhas vontades imaginárias. Ele estava ali, bem na minha frente, bem apresentado, desejável. Notavelmente lindo, cheiroso e reservado. Última safra.
Não, ele não se insinuou, apenas se fez vir as minhas mãos, sem pretensões. Ele estava bem arisco, pois sabia que não podia infringir as regras impostas diante do encontro inusitado, intempestivo.
Teríamos que aguardar os lados cederem, afinal não é bom quando apenas um deseja imensamente ser devorado e o outro receia, diante das metas a si impostas, não sê-lo.
Cuidei em guardá-lo bem ao lado da minha cama, não na cabeceira, mas ao lado direito da cama, onde, com o braço esticado, poderia a qualquer tempo o alcançar.
O romance, na verdade, era coisa antiga, nasceu antes mesmo de nos conhecermos, ainda que nem tivéssemos dado conta de toda sua história (ou nossa) de amor e resistência. Estaríamos ali, talvez, para quebrar as regras quadradas, triangulares, retangulares, quem vai saber? Isso, de um tempo fechado e sem a menor noção do que estaria por vir.
Uma coisa era certa: o amor estava no ar, escrito em suas vestes, estava nas canções, nas serenatas cantadas nas madrugadas, nas janelas das musas de seus sonhos. As delícias daquele amor improvável e redondo estavam espalhadas por todos os espaços de nossos pensamento e lembranças.
Sim, difícil foi resistir aos seus encantos. Isso nem pode e nem deve ser colocado em pauta, pois, é bem verdade, diante dessa situação real e difícil, que fica quase impossível resistir a um cara delicioso e doce, crocante, com gosto de castanhas e totalmente inebriante diante de nossos olhos.
A pergunta que fica é: Como não o devorar?
Bom, tendo em vista que, por toda minha vida vivida, eu tenha resistido, bravamente, aos doces sabores que os dias nos oferece, e, talvez, só por isso tenha encontrado os oásis sagrados, aqueles que nos faz lacrimejar pingos nesses dias de agonia e que, sem pretensões, nos chega de cara limpa, real, mesmo assim não posso afirmar que teria sido isso o que me fez tagarelar sobre esse cotidiano salgado.
Tenho pensado: Acho que o agridoce seja uma boa pedida.
Mesmo tendo esse crédito de vida, o doce não é algo que me apraz cotidianamente. Calma, isso se não for naqueles dias em que precisamos repor nossas doses de satisfação e bom humor. Nesses casos, eu devoro todo e sem permissão, vou lá e abocanho de uma só vez. Por inteiro.
Ah, esperem, devo lembrar de alguns cuidados para com ele, pois nesse momento eu não poderia, de forma alguma aquecê-lo, já que ele derreteria, se desmancharia rapidamente entre acordes dos bandolins, nas canções que me fazem sentir amada e desejada. Teria que ter muito cuidado nessa hora.
Na verdade, tenho que mantê-lo refrigerado sob às lembranças daquela noite ensolarada, cheia de desejos incontidos, entre as mordidas nas maçãs em que tive que me guardar de provar de seus doces sabores…
Hoje ele está aqui, diante de meus olhos, irresistivelmente lindo, brilhante e desejoso. Como posso resistir, depois de tanto tempo sem senti seu sabor?
A pergunta que não quer calar: Teria o chocolate SERENATA DE AMOR a mesma resistência de tempo e desejo que o hambúrguer do MCDONALD’S?
Tomara!
Flávia Arruda – Pedagoga e escritora, autora do livro “As esquinas da minha existência”, flaviarruda71@gmail.com
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