A crise hídrica no Centro-Sul do país atinge importantes regiões produtoras de alimentos no Brasil que já sentem nas lavouras e criações os impactos da seca, como expectativa de diminuição de colheitaprejuízo no desenvolvimento dos frutos e qualidade das pastagens.

Muitas culturas começaram a enfrentar esses impactos já no ano passado, como é o caso da laranja e do café. Outras, como o feijão e a pecuária de leite e de corte passam, neste momento, por dificuldades na produção.

Além de problemas nas lavouras, o produtor também enfrenta aumento de custos, como gastos com energia e ração. E esses fatores podem contribuir para sustentar ou aumentar os preços de alguns produtos agrícolas, o que, por sua vez, tende a se refletir no preço ao consumidor, diz o gerente de consultoria Agro do Itaú BBA, Guilherme Belotti.

A seguir, veja um resumo de como estiagem está prejudicando ou já afetou 7 grupos de alimentos:

  • Feijão: falta de chuvas atrapalhou o desenvolvimento das plantas, resultando em uma colheita menor na segunda safra do ano. Alguns produtores também desistiram de plantar porque não terão água suficiente para irrigar;
  • Leite: seca reduziu a qualidade das pastagens, prejudicando a alimentação das vacas leiteiras. Com isso, produção pode diminuir;
  • Carne bovina: pastagens mais secas também podem resultar em uma menor oferta de gado de pasto. E custo alto com ração também reduz a disponibilidade de animal confinado pronto para o abate. Como consequência, preços devem subir mais;
  • Frango, porco e ovos: sofrem indiretamente com a redução da produção de milho no Brasil provocada pela seca, que elevou custos com ração.
  • Arroz: a colheita está maior neste ano, mas produtores estão preocupados com o próximo plantio. Se as chuvas não encherem adequadamente os reservatórios, a área plantada diminui.
  • Laranja: falta de chuvas atrapalhou florada e frutos cresceram menos. Expectativa é de colheita maior nesta safra, mas abaixo da média das 10 últimas.
  • Café: estiagem prejudicou florada e o enchimento dos grãos. O resultado disso será uma colheita 25% menor do que a projetada no início do ano.

 

Confira mais detalhes a seguir:

Feijão

seca prejudicou a segunda safra de feijão entre janeiro e abril e fez alguns produtores desistirem de plantar a terceira entre maio e julho, conta Marcelo Eduardo Lüders, presidente do Instituto Brasileiro do Feijão, Pulses e Colheitas Especiais (Ibrafe).

No Paraná, por exemplo, a falta de chuvas atrapalhou o desenvolvimento das plantas, resultando em uma colheita de segunda safra 20% menor do que a projetada em janeiro pelo Ibrafe. O estado é o maior produtor de feijão do país e é responsável por prover um terço da segunda temporada.

As regiões que plantam feijão neste período (maio a julho) são o noroeste de Minas Gerais, oeste da Bahia, entorno de Brasília, sul de Goiás e Mato Grosso.

No início do ano, o Ibrafe previa uma colheita de 3,200 milhões de toneladas de feijão para esta safra, mas agora espera 3 milhões de toneladas, uma queda de 4,5% em relação à temporada passada. Os números estão em linha com os da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que é a estatal responsável pelas projeções oficiais.

Com a menor oferta, o setor vai diminuir a exportação e aumentar um pouco a importação do grão este ano. E o alimento não deverá faltar na mesa do brasileiro.

Os produtores também já discutem ações com o Ministério da Agricultura para incentivar o cultivo do feijão no Brasil. Isso porque o setor prevê que o baixo volume de chuvas no Sul deve seguir até 2030.

Leite

A produção leiteira também está sendo impactada pela seca.

Durante o outono e o inverno, é normal que o baixo volume de chuvas reduza a qualidade das pastagens.

“Entretanto, neste ano, a seca tem sido mais intensa, atingindo com gravidade importantes bacias leiteiras do Centro-Oeste, Sudeste e Sul do país e prejudicando a alimentação volumosa do rebanho”, afirma Natália Grigol, em um boletim do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea-USP).

alimentação volumosa corresponde às gramíneas das pastagens e silos e fenos, por exemplo, explica o presidente da Associação Brasileira de Produtores de Leite (Abraleite), Geraldo Borges. Com menos chuva, o desenvolvimento dessas plantas fica prejudicado, gerando, assim, impactos na alimentação das vacas leiteiras.

“Sobretudo neste período do ano, a alimentação concentrada é importante para evitar quedas substanciais nos volumes de produção de leite”, acrescenta Natália.

Soma-se a isso a redução da produção de milho no Brasil, também provocada pela estiagem. O grão também é utilizado na alimentação das vacas.

Ele explica que, por enquanto, o aumento nos preços do leite e derivados é reflexo da alta dos custos com os insumos veterinários, milho, soja, fertilizantes e que a crise hídrica é uma preocupação adicional nesse sentido.

Na prévia da inflação oficial de maio, o preço do leite tem alta de quase 13% em 12 meses.

Carne bovina

Assim como na produção leiteira, a seca mais forte do que o normal no inverno também reduz a qualidade das pastagens usadas pelo gado de corte. O resultado deverá ser, portanto, uma redução da oferta de bovinos de pasto para o abate neste ano, prevê Belotti, do Itaú.

O setor passa por uma diminuição na oferta há algum tempo e ela é um dos motivos que provocou a disparada do preço da carne que, em 12 meses até maio, já subiu quase 40%.

E os produtores que trabalham com confinamento de gado também estão pressionados por causa do aumento dos custos com a ração.

“Então, pode ser que a gente não tenha um aumento da quantidade de animais confinados e isso pode impactar na oferta de animais prontos para serem abatidos. Isso, por sua vez, pode reduzir a disponibilidade de carne e, consequentemente, aumentar preço“, afirma.

Frango, porco e ovos

 

A produção de ovos e de carnes de frango e suínos também sofreu, indiretamente, os impactos da seca nas lavouras de milho. A falta de chuvas prejudicou o desenvolvimento do grão que, junto com farelo de soja, representam 70% dos custos de produção do setor.

A estiagem, associada ao aumento do valor do milho no mercado internacional, pressionou os custos de produção do setor, que chegou a pedir ao governo federal uma autorização para importar mais uma variedade de milho transgênico dos Estados Unidos.

Esse tipo de grão é mais barato do que os que o Brasil já compra, segundo o presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin.

O governo atendeu ao pedido no último dia 17 e, segundo o setor, a autorização deve reduzir gradualmente os custos.

Arroz

O arroz está com uma colheita superior à safra passada, mas a seca traz preocupações com o próximo plantio, que começa em setembro. É preciso que haja um bom volume de chuvas até lá para encher os reservatórios de água usados para irrigação.

“Não podemos nos esquecer que 70% do arroz plantado no Brasil acontece em áreas irrigadas. […] O verão mais seco que tivemos, concomitantemente com o inverno que já é seco, deve gerar baixa capacidade de irrigação para o próximo ano-safra”, diz Belotti, do Itaú.

“Ocorre que muitos produtores acabam plantando área maior que a quantidade de água armazenada, contando com as chuvas de janeiro e dezembro”, ressalta.

E, após o plantio do arroz, o ideal é que haja chuva para proporcionar a germinação, já que usar o volume armazenado para “banhar” a lavoura gasta muita água.

Apesar da preocupação é cedo para falar em desabastecimento para 2021, afirma Andressa. “Ainda teremos um estoque de passagem superior ao do ano passado, correspondente a cerca de 3 meses de consumo (2.222 mil toneladas)”, diz.

A colheita de arroz na temporada 2020/21 deve chegar a 11.626 mil toneladas, alta de 4% em relação à safra 2019/20, segundo a Conab.

Laranja

Em relação à cultura da laranja, o baixo volume de chuvas e as altas temperaturas nas regiões produtoras estão limitando o crescimento das frutas, que já sofreram atraso com a seca do ano passado.

A onda forte de calor entre 30 de setembro e 7 de outubro no cinturão citrícola de São Paulo e Triângulo/Sudoeste Mineiro atrasou a principal florada da safra, que ocorre justamente nesses meses. O cinturão produz 80% das laranjas do país.

A florada é o período em que os frutos começam a nascer. Em alguns municípios produtores, ela acontece entre julho e agosto, mas muitos dos frutinhos que cresceram nessa época caíram por causa do calor, conta Vinícius Trombin, coordenador da Pesquisa de Estimativa de Safra do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus).

Com a continuidade da estiagem este ano, os frutos ainda têm dificuldade para crescer.

Porém, o consumidor não deve perceber a redução do tamanho das laranjas, pois os produtores selecionam as maiores para os mercados e feiras.

Cerca de 18% da produção total de laranjas é direcionada para o consumo de mesa. O restante vai para empresas, como para as indústrias de sucos, que irão receber as menores frutas desta safra.

A cultura da laranja tem bienalidade positiva e negativa, ou seja, em uma safra produz mais e, na seguinte, menos.

O Brasil está em uma temporada positiva e, por isso, espera-se uma colheita de 294 milhões de caixas de laranja no ciclo 2021/22, quantidade 9,5% maior em relação ao ciclo passado. Mas, por causa da seca, esse volume está 10,5% abaixo da média das últimas dez safras.

Café

O café é uma cultura que já sente os impactos do déficit hídrico desde o ano passado, assim como a laranja.

“A falta de chuvas interferiu na pega da florada e, posteriormente, no enchimento de grãos”, conta o presidente do Conselho Nacional do Café (CNC), Silas Brasileiro.

A florada do café ocorre na primavera, entre setembro e outubro. Neste momento, a colheita do grão ainda está ocorrendo. Ela começa em março e vai até o início de setembro.

A atual temporada, referente a 2021/22, já é de bienalidade negativa, mas, com os impactos climáticos, a projeção para a colheita caiu 25%, a 48,807 milhões de sacas, em relação à estimativa feita no início do ano, pela Conab.

“Para este ano, a preocupação com o impacto hídrico nas lavouras permanece, tendo em vista o período de estiagem e chuvas escassas nas principais regiões produtoras de café: Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo, Rondônia e Bahia”, afirma Silas.

Esse cenário pode impactar a próxima safra, que é de bienalidade positiva.

Fonte: G1

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