VELHOS TEMPOS, BELOS DIAS –

A estrada é longa, o caminho é curto. É o horizonte da vida. Tudo passa muito rápido. O ontem já passou, não volta mais. Rico, feliz, é aquele que hoje pode contar, relembrar um tempo que passou, com uma vida saudável e uma mente livre. O momento reacende em nós a lembrança do que fomos e de como vivíamos. Cada um tem a sua história para contar.

Pelo retrovisor, a vida surge em longas, leves e ora pesadas nuvens brancas, ora escurecidas, que pouco a pouco vão se abrindo, iluminadas por um sol radiante e difuso ou, então, escurecem de vez.

Como disse, todos nós temos uma história para contar: contemos.

Na nossa querida, pequena, aconchegante cidade dos Três Reis Magos, os viventes de hoje armazenam e carregam lembranças do seu cotidiano passado, de figuras ou de lugares que marcaram a sua história.

É saudoso lembrar a figura do jornaleiro Cambraia, um preto de fina linha, que gostava de usar o branco para mostrar a cor da sua alma, que gritava anunciando o jornal com a sua mais pura humildade e eloquência: “Olha o jornal de Natal”. Da polêmica, rejeitada pelas crianças que a temiam, com medo de serem carregadas; idolatrada por políticos que posavam ao seu lado para fotos em campanhas eleitorais: Maria Mulamanca com o seu inseparável cajado, inesquecível e marcante; dos grandes apostadores da cidade: Liliu e Tatu, que apostavam tudo e em tudo; de lugares inesquecíveis como o misterioso Poço do Dentão, próximo à praia do forte, onde, conta a lenda que em suas profundezas se escondem ricos tesouros deixados pelos piratas. Dos tanques-piscina da Praça Pedro Velho, que eram usados pela meninada em seus gostosos mergulhos quando de volta da praia nos domingos ensolarados; da bela Festa de Santos Reis, no bairro da Limpa, com toda sua beleza singular e muita religiosidade. Das belas regatas no estuário do rio Potengi, com a acirrada disputa do Centro Náutico e Sport Náutico. Natal era só festa, era só alegria.

Das competições da travessia do Rio Potengi a nado (na braçada), torcendo pelo amigo roqueiro Jorge Lepreu, o campeoníssimo!

Nas jovens tardes de domingo assistir no centenário Estádio Juvenal Lamartine,  o grande e empolgante confronto entre as maiores forças do futebol potiguar ABC X América, que tinha um colorido todo especial com uma massa de torcedores ocupando uma  área privilegiada do Morro do Estrondo, as mangueiras do sítio das freiras e do abrigo Melo Matos; não esquecendo também do disputadíssimo embate do clássico no bairro das Rocas, no Estádio João Câmara, entre as belas e fortes equipes de Palmeiras X Racing.

Natal, da Festa da Nossa Senhora da Apresentação, em sua matriz centenária na Praça André de Albuquerque, com suas retretas, seu parque de diversão; das suas novenas no mês de maio. Isso é Natal, que hoje se esconde no seu presente e renasce no seu passado.

Natal, do Colégio Atheneu Norte-rio-grandense, nossa mais pura e legítima Universidade; da sua pujante força política do seu alunato, que transformava o dia do estudante em uma grande festa, sem violência, sem queixumes e com muita empolgação e fraternidade. Ocupávamos o cinema Rex, cedido gentilmente pelo seu proprietário, Luiz de Barros; éramos todos liderados, capitaneados pelo nosso super líder, nosso eterno secundarista “Pecado”. Era só alegria, era só felicidade.

Natal, de noites singelas, do consumo gostoso do Ron Montilla com Coca-Cola, bom e barato; de suas casas noturnas, sempre bem frequentadas e em vibrantes e aquecidas movimentações, ao som romântico e embriagador saído da radiola de ficha na voz de Nelson Gonçalves, cantando “ Doidivana”, de Adelino Moreira.

Natal de Maria Boa, que deu nome de avião de guerra americano; dos famosos roqueiros capoeiristas, Luiz Rola e Pernambuco, com seus golpes de rasteiras que faziam correr os estranhos marinheiros que tentavam bagunçar o ambiente noturno e febril dos cabarés da Ribeira boêmia.

Natal dos inesquecíveis carnavais de clubes: Aero, América e ABC; de salões super cheios, vibrando, achando bom e divertido em ser chamado de “palhaço “ na marchinha de Zé Keti ( Máscara Negra).

Dos pontos gastronômicos inesquecíveis de parte da região leste da cidade: nas Rocas, a Peixada da Comadre, que tornou-se ponto de encontro de políticos e autoridades locais e nacionais que aqui chegavam; a Peixada e caranguejada do Arnaldo, da carne assada do Lira, do Marinho, a Galinha de Mãe, a Tenda do Cigano; chegando em Areia Preta, tomar banho nas águas mornas da praia mais frequentada da cidade. Comer um gostoso caranguejo no bar É Nosso, passar perto do bar do Caidão, sem atrativos nenhum para entrar. Dar uma chegada até o Clube dos Oficiais do Exército, próximo do Trampolim da morte (construído em volta de muitas pedras e rochedos).

Natal, das famosas brigas de galos e canários lotando os seus rinhadeiros com muitas e altas apostas em jogo; das disputadíssimas lutas de vale tudo entre Aderbal, Bernardão e o imbatível, vibrante e sensacional japonês Takiano.

Natal, das conversas familiares nas confortáveis e preguiçosas cadeiras de balanço nas calçadas de casa, sem presa, sem medo, sem temor, até altas horas da noite, esperando a sono chegar.

Natal, Natal, quanta saudade! Velhos tempos e belos dias.

 

 

 

 

 

Berilo de Castro – Médico e Escritor,  [email protected]

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

2 respostas

  1. É muito salutar ouvir histórias do nosso Natal antigo. Tempos que não voltam mais…
    Aproveitei, dei um passeio e curti revivendo a vida. Foi legal, Berilo.

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