VERNÁCULO –
Não falo outro idioma além do Português. Entendo, razoavelmente, alguns deles pelo pouco aprendido no ginasial e pelo hábito de assistir a filmes sem legendas. Apoio-me na opinião de poliglotas que classificam a linguagem de Camões como uma das mais complexas de aprender, dentre as de origem latina.
No Português, algumas palavras possuem vários significados ou nomina variadas situações ou objetos. Enquanto o Espanhol dispõe de 95 mil palavras catalogadas, o Francês conta com 135 mil e o Inglês 290 mil, na língua portuguesa, se visitarmos o dicionário Aurélio Online, encontraremos 435 mil verbetes selecionados.
Diz-se que um aluno de ensino médio domina 600 palavras, uma pessoa simples cerca de mil, uma de cultura mediana de 3 a 4 mil, enquanto uma muito culta de 4 a 5 mil vocábulos. Porém, na comunicação diária usamos pouquíssimas das palavras contidas nos dicionários.
Algumas expressões da nossa língua, por suas complexidades e sentidos, são intraduzíveis para outros idiomas. Tomemos como exemplos os vocábulos saudade, apaixonar e xodó. Todavia, o que encanta no estudo do Português são palavras com o mesmo significado utilizáveis sem modificar a interpretação do texto. No caso, os sinônimos.
E por falar em sinônimo, nunca esqueci de um fato surrealista, dentre alguns outros que contemplaram a minha vida estudantil. Na época, com 13 anos de idade, eu cursava o ginasial numa escola particular de orientação religiosa. Minha turma abrigava um moleque, de mesma idade que a minha, tido como o melhor aluno da classe pela inteligência que possuía, fator esse que não inibia a sua extraordinária imodéstia.
A nossa professora de Português estipulou, como trabalho escolar, uma dissertação que retratasse as férias semestrais de cada aluno, do ano em tela. O texto seria entregue no retorna às aulas, e substituiria a prova mensal de Português.
Ai daquele que faltasse com o compromisso. Desculpas esfarrapadas não colavam. Ou assumíamos a responsabilidade com os deveres escolares ou seríamos reprovados. Com as redações em mãos, a professora dita uma orientação inesperada: cada aluno leria a sua dissertação para a turma, obedecendo a critérios determinados.
Assim foi feito e o previsível ocorreu: o nosso sabichão apresentou um trabalho esmerado e repleto de palavras que não conhecíamos, porém, bem aceito pela professora e aplaudido pela classe. Fui um dos últimos a ler minha redação.
No intervalo da aula encontrei o geniozinho sendo paparicado por alguns colegas e, logicamente, autopromovendo o seu escrito. Aproximei-me para lhe parabenizar e aproveitei para saber se havia gostado da minha dissertação. Inflado de presunção ele respondeu: Para um beócio como você, ficou excelente!
Desconfiado com o teor do elogio, pedi à professora que me dissesse o significado de beócio. Antes ela me perguntou o porquê da indagação. De pronto, expliquei-lhe a conversa tida com o sabe-tudo. Deixe isso de lado! – foi a sua resposta.
Em casa, no pequeno dicionário disponível, esclareci a dúvida tomado por um misto de surpresa, revolta e impotência. Beócio, era o mesmo que dizer boçal, estúpido, bronco, imbecil, ignorante entre outros adjetivos depreciativos.
Hoje, o falecido colega descansa em paz, espero que entre palermas como ele. Quanto a mim, apeguei-me de vez ao léxico, um professor inteligente e humilde sem qualquer traço característico dos beócios nem de seus sinônimos.
José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro e Escritor