VIAGEM INTERROMPIDA –
Conhecemos o poeta e jornalista Carlos Drummond de Andrade em 1984, no Rio de Janeiro, através do conterrâneo Antônio Carlos de Oliveira, seu amigo e confidente. Magrinho, fala mansa, olhar vivo e perspicaz, o poeta beirava os 82 anos. Nossa missão, como presidente da Fundação José Augusto, era convidá-lo a visitar Natal e cumprir uma agenda sucinta, na qual estava prevista uma visita a Câmara Cascudo. Viria acompanhado de sua filha única, da primeira união, Maria Julieta Drummond de Andrade e de Antônio Carlos, espécie de cônsul honorário potiguar e gerente do Banco do Estado do Rio Grande do Norte.
Para chegar ao escritor mineiro não foi tão difícil. Tudo foi conseguido pelo padre João Medeiros Filho que residia lá, à época. Todos os dias, Drummond “batia ponto” no banco e tinha por Antônio Carlos uma ternura paternal, tanto assim que, no seu livro póstumo “Poesia Errante”, Drummond lhe dedicou um verso (página 15): “Antônio Carlos de Oliveira e seu coração potiguar são exemplos da verdadeira arte de compreender e amar”. Antônio é natural de Upanema. Radicou-se no Rio de Janeiro exercendo por muitos anos a atividade bancária. É também fazendeiro e criador no Rio Grande do Norte mas com residência fixa na terra carioca.
No centro da capital carioca, as ruas do Rosário, da Alfândega e Buenos Aires, ficavam os bancos dos estados nordestinos, numa área de menos de um quilômetro quadrado, inclusive o banco de Mossoró, conhecido pelo lema: “pequenino mas resolve”. O amigo padre João Medeiros Filho que articulou nosso encontro com o poeta mineiro, falava que o escritor Oswaldo Lamartine denominava esse complexo bancário de “o polígono das secas”.
Naquela tarde do verão de 1984, conhecer Carlos Drummond de Andrade foi uma emoção especial. A sua simplicidade e recato (características da maioria dos mineiros), faziam-no economizar as palavras. Dia seguinte, no mesmo horário, com tudo organizado por Antônio Carlos, voltamos à entrevista com o poeta, desta vez, com a presença de sua filha Maria Julieta, procuradora e public relations. Viera acertar a data da visita a Natal que deveria ocorrer uns 30 dias depois do encontro, até que melhorasse a sua saúde.
Oferecemos livros de Cascudo recém editados, pinturas de Dorian Gray e Newton Navarro. Palavras amenas, cortesias e despedidas. Nessa data, Maria Julieta ainda não descobrira que padecia de um câncer de mama do qual veio a falecer em agosto de 1987, três anos depois. Dois dias antes da data aprazada do embarque do poeta e comitiva para Natal, Antônio Carlos ligou-nos do Rio informando que a filha de Drummond hospitalizara-se para extirpar um caroço no seio, cancelando a viagem. Ficaria adiada sine-die.
O tempo passou. Foi-se Drummond em 1987, 12 dias após a morte da filha. E Natal se privou de conhecer um dos maiores poetas desse país, nascido em Itabira do Mato Dentro, nono filho de um fazendeiro mineiro. Meses depois, reencontrei em Natal, Antônio Carlos de Oliveira num almoço repleto de evocações. Na sobremesa “Poesia Errante”, sétima edição da Record que Antônio me ofertou com a frase (marca registrada) do poeta do cotidiano: “Se procurar bem você acaba encontrando não a explicação (duvidosa) da vida mas a poesia (inexplicável) da vida”. Saudades do poeta.
Valério Mesquita – Escritor, Membro da Academia Macaibense de Letras, Academia Norte-Riograndense de letras e do Conselho Estadual de Cultura e do IHGRN– mesquita.valerio@gmail.com
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