José Narcelio Marques Sousa
Passear pela verve contista de Nelson Rodrigues é entreter-se com dramas e tragédias de personagens envoltos nas piores encarnações morais que o gênero humano já concebeu. Por outro lado é também uma maravilhosa viagem ilustrativa aos usos e costumes dos anos 50 e 60 retratados com sotaque da época, despidos de qualquer pudor ou censura. O que torna deliciosa essa leitura, principalmente para nós sessentões, é resgatar expressões e gírias escondidas há muito nas sombras de nossas lembranças, mas, que escapolem aos borbotões das páginas daquele imaginário livresco e se nos apresentam tão vívidas e atuais como no tempo dos escritos de cada cena das histórias do autor.
Cinquenta anos atrás era comum externar surpresa dizendo: Carambolas! Papagaio! Mostrava-se desagrado afirmando: É de arder! Acho pau! É espeto! É de morte! Ora, que pinóia! Será o Benedito? Se algo nos era agradável manifestávamos satisfação exclamando: Bonito! É uma bola! É um biju! Um brinco! Uma tetéia! Bonita como uma estampa! Bacana!
Receio se expressava assim: Estou frito! Algum bode? Fizeram minha caveira! Para combinar um negócio recorria-se a ditos como: No duro! De fio a pavio. Mulher rica era cheia da gaita. Ir ou vir depressa se cobrava com um chispando! Mentira afirmava-se: É potoca! O gabola era garganta pura! Pessoa franzina não passava de um espirro de gente. Recém-casado chamava-se casadinho de fresco. Ser rigoroso era entrar de sola. Pedia-se calma com um sossega o periquito! Externava-se alguma contrariedade falando comigo não, violão! Para cobrar um segredo recorria-se a desembucha, anda!
Diante da possibilidade de um namoro comentava-se: Ela te dá bola. Faz fé com tua cara. Pode dar em cima! Para acusar alguém de esnobismo ou afetação era comum dizer: Não me venhas com chiquê, com nove horas! Até aí morreu o Neves! Era a expressão usada para insinuar que o tempo para determinada providência se esgotara. Mas que mascarado você é! Definia uma pessoa sonsa ou de dupla personalidade. E por ai vai.
No fundo, as gírias de hoje traduzem o mesmo significado de outrora, com a diferença de estarem maquiadas com um vocabulário pesado, sem originalidade e, em muitas situações, chulo.
Soltando a imaginação, até que seria pitoresco um trabalho cotejando expressões idiomáticas extraídas do cotidiano do brasileiro, relacionadas a diferentes épocas de nossa história contemporânea. Lido por algum saudosista escaparia a seguinte manifestação: É um número! Piada digna de almanaque!
Um dos vocábulos mais utilizados nas crônicas de Nelson Rodrigues é batata, tanto para cobrar um compromisso quanto para expressar um acerto: Nós nos encontraremos mais tarde, batata? Batata! E estava empenhada a palavra. Fico imaginando qual seria a reação de adolescentes, de alguma comunidade funk brasileira deste século XXI, diante do questionamento: Batata? Certamente responderiam algo do tipo: Yes brother, batata! Mas temes deem ponderia, na bucha: “Sim!ger e Coca!ndo qual seria a reaara um filho que ser frita num óleo esperto, acompanhando um sanduba de penosa e uma Coca no grau que pinguim gosta!
José Narcelio Marques Sousa é engenheiro civil e escritor. [email protected]