VIRAMUNDO 172 –

Lá vem ela pelos corredores da Universidadd. A “maga véia” do cabelo desgrenhado, calça jeans rasgada no joelho, camiseta sem manga, vermelha, com a cara de Che Guevara escrito: “Ele vive”.

Aí eu perguntei:

– Que foi Che Guevara?

– Sei lá. Dizem que foi um grande guerrilheiro, amigo de Fidel Castro, de Cuba.

– Que mais?

– Sei não. Só isso. Tá ligado?

Magnólia era falante e espontânea.

Debaixo dos braços os cabelos encaracolados emitiam um cheiro desagradável de suor.

Magui usava óculos de sol, redondos, pretos, pra esconder a vermelhidão dos olhos de maconha.

– Sou fã de Anita, aquela cantora que mandou fazer uma tatuagem no cu.

– Por quê?

– Porque ela pediu a um candidato a presidente da República que liberasse as drogas se ele ganhasse a eleição.

– E você fuma?

– Claro. Aqui na Universidade até professor fuma. Principalmente de filosofia que mexe muito com a mente.

– E seu namorado, também fuma?

– Não tenho namorado. Tenho amigas. Elas são mais companheiras e não engravidam. Tá ligado?

Ela tinha essa mania de estar sempre perguntando “tá ligado”, toda vez que falava.

E a maconha vc consegue aonde?

Tenho um amigo que vem trazer aqui na Universidade.

– Não tem problema?

– Não. Aqui todo mundo é de ” cabeça feita”.

Magui passava o dia na Universidade até aos sábados, domingos e feriados.

Quando não estava na sala de aula era fácil encontra-la na biblioteca estudando a vida e obra dos filósofos.

– Me amarro em Jean-Paul Sartre.

– Que trabalho dele você gosta?

– A Prostituta Respeitosa, uma peça de teatro. Tá ligado?

Magui, depois de um certo tempo, se envolveu com Jorge, colega de classe, mas ele detestava cheiro de cigarro.

E ela deixou de fumar por conta disso, raspou os “penteados do suvaco” e cortou o cabelo.

Passou a usar perfume feminino e se vestir melhor.

– Estou amando. Jorginho é ótimo. Vamos morar juntos, tá ligado?

– Que bom. Tomou juízo, né?

Magui não conseguia engravidar. Tomava remédio, se dedicava aos estudos e nada.

– Queria ter um filho e botar o nome dele, Che Guevara.

– Isso é castigo de Deus.

Disseram a ela que fosse a um Centro Espírita saber porque não engravidara.

A médium que a atendeu disse que em vidas passadas ela abortava e nessa vida você não vai ter filho.

Magui e Jorge se formaram e instalaram um consultório de Psicologia num bairro nobre da cidade, num condomínio confortável.

– Vocês se formam em Filosofia e instalam uma clínica de Psicologia?

– Pois é tudo na mesma linha. Tá ligado?

Jorginho pediu pra Magui deixar essa mania de fala “tá ligado”.

Vício de linguagem que não combina com uma “doutora”.

Ela aceitou.

Três anos depois eles fizeram uma viagem a África, mais especificamente, Angola e lá adoraram um menino pretinho e batizaram-no de Che Brasil, a pedido de Jorginho que detestava o nome Guevara.

Che Brasil era o orgulho de Magui mas ela ficava triste com a reação dos coleguinhas da escola que chamavam ele de Che Neguinho, num preconceito danado.

Mas o menino era inteligente e simpático. Muito “amigueiro” e se dava bem na escola.

Che Brasil quando cresceu foi estudar informática e morar em São Paulo onde o mercado de trabalho é muito grande.

Magui e Jorge ficaram sozinhos novamente e Magui engravidou, com a Graça de Deus.

– Foi um presente que eu recebi por ter tratado muito bem meu filho adotivo.

– É, foi mesmo.

Encontrei Magui, Jorge e Che Brasil, em São Paulo, jantando no finíssimo Terraço Itália e perguntei a Magui, grávida de barrigão e tudo, se preparando para teu o filho, lá, e perguntei:

– Magnólia, em quem você se inspirou na sua vida?

– Mara Rollemberg.

 

 

 

 

 

 

Jaécio Carlos –  Produtor e apresentador dos programas Café da Tarde e Tribuna Livre, para YouTube

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