VOZES –
Sempre presto atenção às vozes que me reclamam alguma coisa. Principalmente em Macaíba nas abstrações e transcendências de exprimir as angústias de alguns lugares e vultos sem abrigo. Previno que não sou médium mas espiritualista. Ainda não perdi vista, olfato, audição, tato, paladar nem o sentimento telúrico. Uso tudo para resgatar minha urbe. Nada do que guardo dela se evapora. A começar pelos bêbados líricos das noites de sábado. Sérgio, que se auto intitulava “cabeceiro boçal”, cantava aos tropeços a melodia pobre da “baratinha” que bateu asa e “avuou”. Zé Bomba era o alcoólatra político, imitador contumaz de Aluízio Alves na entonação da voz e decoreba. No período aceso da política os bacuraus aplaudiam e as araras jogavam água.
A voz do padre Antonio de Melo Chacon, orador inflamado que regava a garganta com boas doses de meladinha nas festas litúrgicas e profanas. Não há como esquecer a voz anasalada do prefeito Luiz Curcio Marinho; a ofegante e autoritária de Paulo Mesquita; a loquacidade de Aldo da Fonseca Tinôco (pai); a firme de Alfredo Mesquita Filho; a condoreira de Aguinaldo Ferreira da Silva; a pragmática de José Jorge Maciel; todos personagens de uma época de ouro cujas palavras ainda ecoam nas ruas e nas praças. E padre Alcides Pereira, patativa sacra, voz imperativa das cruzadas cristãs da Idade Média. Mas, a voz cavernosa do radialista Gutemberg Marinho de Carvalho se sobressaía como a mais completa e radiofônica. Esses sons de antigamente ainda soam aos meus ouvidos e nos lugares por onde passo.
Por ter sido político, homem público, administrador, quantas vozes não escutei? E tantas vezes não me obriguei a ouvir o que não queria ou o que não gostava? Vozes roufenhas, rancorosas, tristes, chorosas, lamuriosas, ácidas, metálicas, estridentes, etc. Até um gago discursou para mim em Bom Jesus. Em Ielmo Marinho um asmático não concluiu o seu discurso. Faltou gás. Em Extremoz, um besouro noturno e vestuto embargou a voz de um orador em pleno palanque. No interior de São Gonçalo perdi votos porque a liderança afinava a voz nos agudos. Em São Pedro do Potengi interrompi a voz bajulatória de uma liderança porque me elogiava além da conta: “Menos, menos, por favor…”, supliquei corado de vergonha.
Todas as vezes que passo de carro pela praça Augusto Severo, centro de Macaíba, meus dedos automaticamente tamborilam na direção: “queremos passeata e bacurau não empata”. Era o refrão do povo nas más resolvidas pelejas políticas dos anos sessenta. No Pax Club do tempo da jovem guarda, como me assaltam aos ouvidos e a mente as antigas canções e gratas figuras que desapareceram. As vozes das serestas madrugada à dentro e que hoje não existem mais. Rua da Cruz, Pedro Velho, da Conceição e Benjamim. Em todas subsistem vozes que vêm de dentro e que me alcançam sem ferir.
Valério Mesquita – Escritor, [email protected]